“O Papel do Ferro Intravenoso na Prevenção da Anemia Associada a Quimioterapia em Mulheres em Tratamento Neoadjuvante ou Adjuvante para o Câncer de Mama: Ensaio Clínico Randomizado”.

Anemia é uma complicação comum em pacientes portadores de câncer. Está relacionada não somente à neoplasia, mas também ao próprio tratamento quimio-radioterápico.

 

“O Papel do Ferro Intravenoso na Prevenção da Anemia Associada a

Quimioterapia em Mulheres em Tratamento Neoadjuvante ou Adjuvante

para o Câncer de Mama: Ensaio Clínico Randomizado”.

Introdução

Anemia é uma complicação comum em pacientes portadores de câncer. Está

relacionada não somente à neoplasia, mas também ao próprio tratamento

quimio-radioterápico. A anemia resulta em uma série de sintomas que podem

influenciar o estado físico e funcional dos pacientes, interferindo negativamente no

tratamento e qualidade de vida dos mesmos. Além disso, os níveis de hemoglobina

(Hb) estão relacionados com desfechos de tratamento e sobrevida em pacientes

com inúmeros tipos de câncer. Os sintomas relacionados à anemia são diversos,

dentre eles, citam-se palpitação, fadiga, dispnéia, náusea, depressão, disfunção

cognitiva. 1,2

Dois grandes estudos avaliaram a epidemiologia da anemia em pacientes

com câncer. O ECAS foi um grande estudo prospectivo com 15.367 portadores de

câncer em qualquer estádio e tratamento, conduzido entre 2001-2002.

Aproximadamente 40% dos pacientes apresentavam níveis de Hb menores do que

12 g/dL e até 75% dos pacientes em tratamento quimioterápico desenvolveram

anemia em um intervalo de 6 meses. 3 Os fatores que mais se relacionaram ao

desenvolvimento de anemia foram os níveis basais de Hb, sítio do tumor primário,

esquemas contendo platinas, sexo feminino, idade avançada e baixo performance

status. Um dado interessante é que apenas 40% dos pacientes receberam

tratamento para anemia, sendo 17.4% tratados com eritropoietina, 15% receberam

transfusão sanguínea e apenas 6.5% foram tratados com ferro. O ACT foi um

estudo retrospectivo observacional com 2.192 pacientes com câncer e Hb < 11 g/dL,

conduzido entre 2005 e 2007. 4 Avaliou os padrões de tratamento para anemia na

população e sua eficácia. Foi detectado um maior número de pacientes tratados

para anemia (68.3%) comparado ao estudo anterior. Transfusões sanguíneas foram

efetuadas em 19.4% e 32.8% receberam suplementação de ferro. Os agentes

estimuladores da eritropoiese foram utilizados em 62.2% dos pacientes, sendo

capazes de elevar os níveis de hemoglobina em 1.34 g/dL.

As diferenças encontradas na proporção de pacientes tratados para anemia,

assim como o emprego das modalidades terapêuticas refletem o crescimento da

importância deste tópico no manejo dos pacientes oncológicos, impactando na

qualidade de vida e tratamento destes pacientes.

A duração e a gravidade da anemia parecem estar relacionadas ao tipo de

câncer, extensão da doença e capacidade mielosupressiva da quimioterapia. Em

mulheres portadoras de câncer de mama metastático, a incidência de anemia varia

de 6% até 98%, 5 entretanto pouca informação existe sobre mulheres em tratamento

adjuvante.

Um estudo com 310 pacientes portadoras de câncer de mama estadio II e III

operadas e submetidas a tratamento quimioterápico com doxorrubina e

ciclofosfamida demonstrou que 88.3% das pacientes com valores de hemoglobina

normais desenvolviam algum grau de anemia após 4 ciclos. 6 Outro estudo avaliou

um número menor de pacientes, e das 135 mulheres tratadas com antraciclinas

62.4% desenvolviam anemia. 7

Inicialmente, os agentes estimuladores de eritropoiese (AAE) foram utilizados

para correção de anemia em pacientes com insuficiência renal crônica. Diversos

estudos demonstraram o benefício destes agentes também em pacientes com

câncer, tanto em aumentar os níveis de hemoglobina quanto em reduzir a

necessidade de transfusões sanguíneas. Entretanto, há atualmente na comunidade

médica um questionamento sobre a segurança destes agentes em virtude de alguns

estudos mais recentes terem demonstrado impacto negativo no controle do câncer e

mortalidade, além de efeitos colaterais importantes como trombose, como descrito

abaixo.

Sem dúvida, os AEE são capazes de melhorar os parâmetros hematológicos

na grande maioria dos pacientes anêmicos com câncer. Uma revisão sistemática

com 57 estudos num total de 9353 pacientes com câncer demonstrou que o

tratamento com AEE foi capaz de reduzir a necessidade de transfusão sanguínea

em 36%, além de aumentar a taxa de resposta hematológica definida como

aumento de Hb >2g/dL. 8,9 Uma revisão sistemática avaliou as diferentes terapias

farmacológicas disponíveis no tratamento da fadiga relacionada ao câncer. A

análise de dez estudos com eritropoetina envolvendo 2226 pacientes portadores de

câncer em quimioterapia e Hb <12 g/dL demonstrou uma redução significativa nos

sintomas de fadiga relacionadas ao câncer (p=0.008). O mesmo pode ser

demonstrado com o uso de darbepoetina em 4 estudos totalizando 964 pacientes

(p=0.05). 10

A ASCO (American Society of Clinical Oncology) recomenda o uso de

fatores estimuladores de eritropoiese (eritropoetina e darbepoetina) quando os

níveis de hemoglobina atingem valores inferiores a 10 g/dL durante o tratamento

quimioterápico de neoplasia metastática; quando os valores estão entre 10 g/dL e

12 g/dL, o uso destes fatores depende dos sintomas e comorbidades apresentadas

pelo paciente. 11 Entretanto novos estudos questionam a segurança do uso de

fatores de estimuladores de eritropoiese em pacientes com câncer. O FDA, após

análise dos resultados do Estudo Amgen 20010103 em março de 2007, lançou um

alerta de forte recomendação contra o uso dos fatores estimuladores de eritropoiese

em pacientes com câncer sem tratamento quimio ou radioterápico. 12

Os riscos de morte e eventos tromboembólicos (TE) foram avaliados em uma

meta-análise publicada por Bennett et al. em 2008. 13 Um total de 13.611 pacientes

de 51 estudos de fase 3 foram analisados para sobrevida e 8172 pacientes de 38

estudos foram avaliados quanto ao risco de TE. Foi demonstrado um aumento de

risco de TE (RR 1.57 (IC 1.31-1.87) ) e no risco de morte global (HR 1.10, IC

1.01-1.20; p=0.03); Oito estudos, identificados em alertas de segurança do FDA,

individualmente mostraram aumento na taxa de progressão e morte, 12,14-20 . Em 2009,

foi publicada a maior meta-análise com dados individuais dos pacientes num total de

13933 pacientes de 53 estudos. 21 O uso do AEE foi associado a um aumento no

risco de morte durante o período ativo do estudo de 17% (p=0.003) e da mortalidade

geral de 6% (p=0.046).

Além dos problemas clínicos causados diretamente pela anemia ou seu

tratamento com AEE, existem os aspectos econômicos. Pacientes com câncer

portadores de anemia tem custos médicos diretos que são 50 a 70% superiores aos

custos de pacientes com câncer sem anemia. 22,23 No Brasil, a eritropoetina é

considerada medicação de alto custo. Dos recursos do governo federal alocados

para a assistência farmacêutica, mais de um terço é destinado aos medicamentos

excepcionais. Em 2008, o investimento do governo federal este montante chegou a

1.98 bilhões de reais. Aproximadamente um terço deste total é destinado a cinco

medicações imiglucerase, eritropoietina, interferon peguilado, interferon-alfa e

imunoglobulina. Também é importante ressaltar que a hemotransfusão, além do

custo elevado, pode estar relacionada com aumento do risco de eventos

trombóticos e aumento de mortalidade em pacientes com câncer. Outros riscos que

devem ser destacados são: reação transfusional, transmissão de doenças e

sobrecarga circulatória.

Torna-se então imperativo buscar novas medidas terapêuticas para controle e

correção de anemia relacionada ao câncer. Dentre as opções que estão sendo cada

vez mais investigadas na literatura está o uso do ferro.

Um dos mecanismos mais importantes da eritropoiese ineficaz é a alteração

no metabolismo do ferro. A deficiência de ferro pode ocorrer rapidamente em

pacientes com câncer devido a perdas sanguíneas diversas ou ingestão e absorção

inadequada de ferro pelo trato digestivo. Ocorre também uma “deficiência funcional”

decorrente da uma retenção de ferro nos macrófagos e diminuição de ferro

disponível para a eritropoiese, apesar de estoques adequados de ferro no sistema

reticuloendotelial. 24

A proteína de fase aguda hepicidina é considerada atualmente a principal

responsável nesta alteração do metabolismo do ferro, pois leva à diminuição da

absorção intestinal do ferro e da liberação de ferro pelos macrófagos. 25 Citocinas

liberadas em processos inflamatórios, principalmente IL-6, são capazes de

aumentar a produção de hepicidina com consequente diminuição no ferro

circulante. 26 Diversos estudos revelaram que a quimioterapia eleva a produção de

citocinas inflamatórias, dentre elas IL-6. 27 Além das conseqüências acima citadas,

outra implicação é a baixa biodisponibilidade do ferro administrado por via oral em

pacientes com câncer.

Devido às alterações metabólicas do ferro e à baixa aderência ao uso de ferro

oral, a administração de ferro EV na oncologia clínica tem sido cada vez mais

estudada.

Seis estudos randomizados avaliaram o benefício da administração de ferro

endovenoso associada ao uso de AEE. Em 2004, Auerbach et al. avaliou o uso ferro

associado a EPO em 157 pacientes portadores de câncer em quimioterapia e que

possuíam Hb ≤10.5 g/dL associado a ferritina sérica ≤ 200 ng/dL ou SAT ≤ 19%. O

aumento dos níveis de hemoglobina foram maiores nos pacientes que receberam

ferro, principalmente na forma endovenosa (p<0.02), além deste grupo apresentar

uma melhora significativa na qualidade de vida. 28 Em outro estudo, 187 pacientes

em quimioterapia e com ferritina sérica ≥ 100 ng/dL ou SAT ≥ 15% foram

randomizados à EPO sem ferro, com ferro oral ou com ferro EV. O aumento dos

níveis de Hb ≥ 2g/dL ocorreu em mais pacientes que receberam ferro EV (73%) do

que ferro oral (46%, p<0.01) ou sem ferro (41%, p<0.003). 29 Um pequeno estudo

randomizado com 67 pacientes portadores de doença linfoproliferativa e Hb entre 9

e 11 g/dL também foi capaz de demonstrar aumento na resposta dos níveis de Hb

com uso de ferro parenteral, além de reduzir a necessidade de EPO total. 30

Bastit et al. randomizou 396 pacientes portadores de neoplasias não

mielóides em quimioterapia e Hb < 11 g/dL para darbepoetina com ou sem ferro EV.

A taxa de resposta hematológica determinada por Hb ≥ 12g/dL ou aumento de Hb ≥

2 g/dL foi estatisticamente maior com uso da combinação das drogas, (86% versus

73%, p=0.11); houve também redução na necessidade de transfusão sanguínea. 31

Um importante estudo avaliou o papel do ferro EV associado a estimuladores de

AEE em pacientes sem deficiência de ferro. Cento e quarenta e nove pacientes com

tumores sólidos em quimioterapia e Hb ≤ 11g/d, porém ferritina sérica ≥100 ng/mL e

SAT ≥ 20%, foram randomizados para AEE com ou sem fero EV. Foi possível

demonstrar um melhor incremento na resposta hematológica (76.7% versus 61.8%,

p=0.495) utilizado o tratamento combinado. 32 Estes dados foram confirmados por

um trabalho apresentado na ESMO 2008 que também demonstrou uma maior

elevação dos níveis de hemoglobina quando associado ferro EV com AEE, mesmo

em pacientes sem deficiência de ferro. 33

A proposta deste estudo é avaliar se reposição de ferro endovenoso pode

contrapor estas alterações metabólicas existentes durante o tratamento

quimioterápico, aumentando o ferro circulante disponível para produção de novas

hemácias, evitando assim o desenvolvimento de anemia, sem administração de

AEE. Para isto, selecionamos um grupo homogêneo de pacientes que são mulheres

com câncer de mama operadas e candidatas a realizar um tipo específico de

tratamento, reduzindo a possibilidade de outros fatores associados a anemia do

câncer influenciarem a avaliação da resposta, como sangramentos, efeitos

mielotóxicos diversos dos quimioterápicos, presença de metástases ósseas,

diferentes tipos de câncer. A escolha desta população específica de pacientes

oncológicos se deve ao fato de pacientes com câncer de mama inicial tenderem a

ser extremamente saudáveis, raramente apresentando anemia por outros fatores,

muito menos por doença crônica. Entretanto, demonstrar que o uso de ferro EV

como agente único pode ser eficaz na redução da incidência de anemia induzida por

quimioterapia é um conceito novo, que pode vir a ser aplicado para qualquer

paciente oncológico, inclusive na doença metastática

O único tratamento atualmente disponível, exceto hemotransfusão, é o uso de

AEE (eritropoietina e darbepoetina), que como mencionado anteriormente,

apresenta efeitos colaterais potencialmente graves como aumento do risco de

trombose e aumento do risco de morte por progressão de doença. O uso do ferro

endovenoso isolado como tratamento e prevenção da anemia poderia tornar-se uma

nova arma terapêutica, com menor custo, a ser empregada no combate de uma

complicação tão freqüente nos pacientes com câncer e que muito reduz a qualidade

de vida dos mesmos.

Objetivos

Objetivo primário

Avaliar a efetividade da suplementação endovenosa de ferro na prevenção de

anemia em pacientes em tratamento quimioterápico neoadjuvante ou adjuvante do

câncer de mama, de acordo com a mediana dos níveis de Hb após tratamento.

Objetivo secundário

Avaliar a efetividade do ferro na redução da necessidade de uso de

eritropoetina e transfusão sanguínea

Materiais e Métodos

População

A população do estudo foi composta por mulheres maiores que 18 anos

portadoras de câncer de mama localizado, submetidas a tratamento neoadjuvante

ou adjuvante com quimioterapia. Apresentavam nível de hemoglobina dentro da

normalidade (>12 g/dL), funções renal e hepática adequadas, níveis normais de

ácido fólico e vitamina B12.

Foram excluídas as pacientes que apresentavam sobrecarga de ferro definido

como ferritina >800 μg/L e saturação de transferrina >40%, que estivessem grávidas

ou amamentando, história de infecção ativa ou sangramento ativo, exceto

menstruação, história de HIV ou HVB ou HVC em atividade; problemas psiquiátricos

impeditivos de ótima aderência; participação em qualquer outro estudo clínico

concomitante. Não foi permitido o uso de qualquer suplemento oral contendo ferro

dentre os componentes.

Este estudo foi conduzido de acordo com a última revisão da Declaração de

Helsinque e foi aprovado pela Comissão de Ética para Análises e Projetos de

Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do HCFMUSP, em assembleia realizada

no dia 16 de setembro de 2009, sob protocolo de número 0543/09.

Todos os pacientes participantes assinaram o termo de consentimento livre

esclarecido, redigido de acordo com as recomendações da Resolução n o 196 de 10

de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde.

Tratamento

Este foi um estudo prospectivo, randomizado, controlado, aberto. Todas as

pacientes foram submetidas a um screening inicial até 7 dias antes do tratamento.

As informações de base incluíram características da paciente e regime

quimioterápico proposto. Os testes laboratoriais realizados antes do tratamento

incluíram hemograma completo, enzimas hepáticas (TGO, TGP), função renal

(uréia, creatinina), níveis séricos de ferro, ferritina, saturação de transferrina,

capacidade de saturação de transferrina, ácido fólico, vitamina B12 e a fração

imatura de reticulócitos.

As pacientes elegíveis foram submetidas a qualquer dos esquemas abaixo

descritos:

● AC ( doxorrubicina, 60 mg/m² EV e ciclofosfamida, 600 mg/m² EV, ambos

no D1), administrados a cada 14 ou 21 dias. As pacientes que recebessem

quimioterapia a cada 14 dias (dose densa) deveriam receber o G-CSF 300

mcg subcutâneo por 7 a 10 dias iniciando no segundo dia após a

quimioterapia. Seguido ou não de paclitaxel semanal (inclusive em

combinação com trastuzumabe, em pacientes com tumores Her2 positivos)

● FAC (5-FU, 500 mg/m² EV, doxorrubicina, 50 mg/m² EV, ciclofosfamida, 500

mg/m²) EV, todos no D1, a cada 21 dias

● FEC100 (5-FU, 500 mg/m² EV, epirrubicina, 100 mg/m² EV, ciclofosfamida,

500 mg/m²) EV, todos no D1, a cada 21 dias

● TAC (docetaxel, 75 mg/m² EV, doxorrubicina, 50 mg/m² EV e ciclofosfamida,

500 mg/m² EV, todos no D1, a cada 21 dias) com suporte de pegfilgrastim,

dose única de 6 mg SC no D2 (caso não disponível, G-CSF, 300 mcg SC do

D2 ao D14 ou duração conforme prática institucional) associado a

ciprofloxacina, 500 mg VO de 12/12 h do D5 ao D14)

● TC (ciclofosfamida, 600 mg/m² e docetaxel, 75 mg/m²) EV, todos no D1, a

cada 21 dias com ou sem suporte de fator de crescimento

● TCH (docetaxel, 75 mg/m² EV, carboplatina, AUC 6 EV e trastuzumabe, 8

mg/kg EV (durante 90 min, como dose de ataque no primeiro ciclo e depois 6

mg/kg EV com cada ciclo), todos no D1, a cada 21 dias

● CMF clássico (ciclofosfamida, 100 mg/m² VO do D1 ao D14, metotrexato, 40

mg/m² EV nos D1 e D8 e 5-FU, 600 mg/m² EV nos D1 e D8), a cada 28 dias

● CMF EV simplificado (ciclofosfamida, 600 mg/m² EV, metotrexato, 40 mg/m²

EV, 5-FU, 600 mg/m² EV), todos no D1, a cada 21 dias

● CMF EV clássico (ciclofosfamida, 600 mg/m² EV, metotrexato, 40 mg/m² EV,

5-FU, 600 mg/m² EV), todos no D1 e D8, a cada 28 dias

Todos os dados foram coletados durante os 4 primeiros ciclos de tratamento

de qualquer um dos esquemas acima citados. A continuação do tratamento com

taxanos ou mais do que 4 ciclos ficou a critério do investigador (para o CMF EV

clássico, cada ciclo consistiu em D1 + D8 cada 28 dias).

As pacientes foram randomizadas 1:1 para administração de 200 mg de ferro

EV com quimioterapia (braço do ferro EV) ou somente quimioterapia (braço

controle). A randomização foi estratificada e feita por médico independente que não

conhecia as pacientes. Os critérios de estratificação foram status menopausal,

níveis séricos de ferritina maior ou menor do que 100 μg/L e esquema

quimioterápico a ser utilizado (dose densa ou três semanas).

O ferro endovenoso foi administrado na forma de sacarato de hidróxido férrico

(nome comercial Noripurum®), dose única de 200 mg (2 ampolas), num total de 4

doses. Para as pacientes que receberam antraciclinas, o ferro endovenoso foi

administrado nas 24-48 horas seguintes a cada ciclo de quimioterapia; para o

regimes sem antraciclinas, o ferro endovenoso foi administrado no mesmo dia da

quimioterapia. Este esquema de tratamento diferenciado foi adotado

considerando-se a hipótese de aumento do risco de dano cardíaco em caso de

administração do ferro EV no mesmo dia da doxorrubicina.

O hemograma completo foi repetido antes de cada ciclo e ao final do

tratamento. A dosagem de ferro sérico, ferritina, saturação de transferrina,

capacidade de saturação de transferrina, e a fração imatura de reticulócitos foram

repetidos ao final do estudo (4 ciclos).

Análise Estatística

As pacientes foram divididas em dois grupos (Com Ferro e Sem Ferro).

Para cumprir os objetivos propostos no projeto, foram realizadas

comparações entre os grupos em relação a cada uma das variáveis.

Para comparar os grupos em relação às variáveis qualitativas foi realizado o

teste Qui-quadrado ou, quando necessário, o teste Exato de Fisher ou da Razão de

Verossimilhança e para comparar os grupos em relação às variáveis quantitativas

foi realizado o teste t-Student ou, quando necessário, o teste de Mann-Whitney.

Para comparar variáveis quantitativas no tempo e por grupo foi utilizado o

modelo de análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas, considerando os

fatores tempo e grupo.

Foi considerado um nível de significância de 5% (p-valor ≤ 0,05).

Resultados

O presente estudo foi conduzido entre maio de 2010 a setembro de 2015, no

Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Foram randomizadas 44

pacientes (com ferro 21 e sem ferro 23), porém 1 paciente do grupo tratamento foi

excluída. Realizou apenas o primeiro ciclo de quimioterapia adjuvante e saiu do

protocolo por ter suspendido o esquema de tratamento devido a toxicidade limitante.

As características das pacientes foram similares entre os dois grupos. A idade

mediana das pacientes foi de 53 anos no grupo com ferro e de 49 anos no grupo

controle. Em ambos os grupos, o estadiamento clínico II foi o mais frequente e o

esquema de quimioterapia que as pacientes foram mais comumente foram os

baseados em antraciclinas (39,3% das pacientes no grupo com ferro e 62,9% das

pacientes do grupo controle).

Todos os parâmetros iniciais de hemoglobina, hematócrito, hemácias,

funções hepática e renal, ferro sérico, saturação de transferrina, capacidade de

saturação de transferrina, ácido fólico e vitamina B12, se encontravam dentro dos

valores normais de referência. Houve alteração (queda) da Hb inicial em 70% das

pacientes do grupo com ferro e em 82,6% nas pacientes sem ferro (p=0,473). No

entanto, mesmo tendo ocorrendo a queda da Hb, o nível mais baixo registrado foi de

9,4 (grupo do ferro), não sendo necessária transfusão sanguínea ou AEE em

nenhum dos casos. Além disso, não foi reportado diferenças entre os grupos quanto

à presença de sintomas relatados pelas pacientes.

O evento adverso mais comumente observado foi náusea Graus I e II, 37% vs

39% e 37% vs 22%, nos grupos com ferro e sem ferro, respectivamente. Houve 11

casos de neutropenia Grau III e IV, sendo que 63,63% das pacientes receberam o

esquema AC-T como tratamento. Em nenhuma das toxicidades relatadas houve

diferença estatisticamente significante entre os grupos. Três pacientes

apresentaram reação infusional, duas delas estavam no braço controle (sem ferro) e

receberam tratamento com esquema TC, tendo sido consideradas, portanto,

relacionadas ao agente quimioterápico. A terceira paciente fazia parte do grupo do

ferro, recebeu quimioterapia com CMF e relatou angina durante a infusão do

5-fluoruracil. O tratamento quimioterápico desta paciente foi descontinuado e a

mesma foi excluída do estudo. Portanto, consideramos não ter havido reações

infusionais relacionadas ao produto investigacional.

Embora a coleta de dado de QoL tenha sido um objetivo secundário no

planejamento do estudo, ao longo do tempo, por dificuldades logísticas, mas

também por termos estimado uma baixa probabilidade de estes dados gerarem

informações consistentes, especialmente em um estudo tão pequeno realizado em

pacientes em tão boas condições clínicas, optou-se por não se continuar estas

coletas. Dessa forma, os resultados não serão analisados. O mesmo aconteceu

com o objetivo secundário de realização de biomarcadores – acabamos avaliando

que não seria custo-efetivo realizá-los, devido ao baixo número de eventos

disponíveis para análise.

As medidas de Hb se diferenciaram ao longo do tempo, independentemente

do grupo, isto é, independentemente do grupo, a medida de Hb inicial é

significativamente maior do que as medidas de Hb pós C1, pós C2, pós C3 e pós C4

e a medida de Hb pós C1 é significativamente maior do que as medidas de Hb pós

C2, pós C3 e pós C4.

Discussão

O presente estudo, do nosso conhecimento, é inédito na literatura, pois

avaliou o uso do ferro endovenoso em pacientes em estádio inicial de câncer de

mama, sem anemia, como tentativa de prevenir a queda da hemoglobina. Dessa

forma, com a escolha de uma população tão seleta, acreditamos ter limitado o

efeito confundidor potencial de outros fatores tão comuns em pacientes

oncológicos, como performance status pobre, comorbidades, e entender de

maneira mais pura o papel do ferro EV na prevenção especificamente da AAQ.

Como primeiro estudo desenhado para avaliação do uso do ferro EV em

pacientes sem anemia em tratamento com quimioterapia (neo)adjuvante, não

encontramos amparo na literatura que sugerisse o melhor esquema de

administração do ferro EV. Poucos estudos do uso isolado de ferro EV em

pacientes anêmicas, utilizaram doses semanais desta medicação, aventando o

questionamento se o esquema proposto neste estudo possa não ter sido capaz

de sobrepor alguma deficiência funcional do ferro. Outro limitante foi devido as

condições sócio-econômicas da população analisada, visto que muitas pacientes

declinaram da participação no estudo por residirem muito longe do hospital, e,

por vezes, em outros municípios). Isso provavelmente levou a um aumento

progressivo de pacientes participantes recebendo quimioterapia não baseada em

antracíclicos (que podia ser administrada no mesmo dia da quimioterapia). À luz

dos conhecimentos atuais, poderíamos ter estratificado a população conforme o

nível sérico da hepicidina, mas, na época que o estudo foi concebido, estes

dados não estavam tão claros, e dosagem deste marcador talvez não fosse

viável sem uma fonte de financiamento específica. No entanto, apesar da queda

gradual do Hb após cada ciclo de tratamento quimioterápico, uma paciente

evoluiu após C4 de quimioterapia com anemia moderada. Assim, a anemia na

população estudada não foi um sinal que levou a interrupção prematura do

tratamento, nem a piora dos sintomas. A escolha de pacientes com câncer de

mama inicial em tratamento quimioterápico (neo)adjuvante foi acertada no

sentido de excluir fatores de confusão (outras causas de anemia que não a

quimioterapia), mas, ao mesmo tempo, resultou numa baixa taxa de eventos

(desenvolvimento de anemia) em ambos os braços, o que pode em parte

explicar a ausência de redução estatisticamente significativa de anemia com o

uso de ferro EV. Um exemplo extremo disso é o fato de nenhuma paciente no

estudo ter necessitado transfusão de concentrado de hemácias ou uso de AEE.

Outras razões que podem ter contribuído para o estudo não ter atingido seu

desfecho incluem o esquema / dosagem de ferro EV empregada, ausência de

seleção de pacientes baseada em níveis séricos de hepicidina e estratificação de

pacientes exclusivamente no cenário neoadjuvante (no qual podemos ter anemia

relacionada a doença). No entanto, nosso estudo mostrou uma tendência a

menor desenvolvimento de anemia no braço experimental, algo que pode

merecer mais investigação clínica, talvez numa outra população oncológica que

acumule mais eventos para análise, ou eventualmente num estudo de maior

porte.

De maneira geral, o tratamento com ferro EV não apresentou eventos

adversos significativos quando comparado ao grupo controle, especialmente no

que diz respeito a efeitos adversos de grau 3 ou 4, que foram raros nos dois

grupos.

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